MP vê falhas na investigação de morte envolvendo Queiroz, e viúva diz que ele era ‘temido’: ‘Fez muita mãe chorar’

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Fabrício Queiroz, em prisão domiciliar por caso das rachadinhas, e capitão Adriano da Nóbrega, morto pela polícia baiana, foram PMs juntos e respondem por homicídio ocorrido em 2003; eles alegam legítima defesa. Após 13 tentativas de arquivamento, MP deu 90 dias para conclusão.

Por Mahomed Saigg e Ana Carolina Raimundi, Fantástico — O Ministério Público do Rio de Janeiro encontrou falhas na investigação de uma suposta execução cometida por Fabrício Queiroz e Adriano da Nóbrega em 2003. Os dois trabalhavam juntos como PMs na época e mataram um suspeito de tráfico. Promotores encontraram vários problemas no inquérito, como a falta de perícia nas armas.

Como já se arrasta por 17 anos, a investigação vai perder a validade em 3 anos. Por isso, o MP determinou que seja concluída em 90 dias. O Fantástico teve acesso ao inquérito e aos documentos do MP que apontam as falhas no caso e também conversou com a viúva, que diz acreditar que ele foi executado .

A mulher, que preferiu não ser identificada, teve dois filhos com Anderson Rosa de Souza, de 29 anos. Na época, as crianças tinham 10 e 3 anos. A viúva contou que nunca foi procurada pela polícia e disse o que sabe sobre o dia da morte.

“Os moradores falaram: “pegaram teu marido aí, levaram lá para baixo lá, fizeram ele se ajoelhar e deram os tiros nele. Disse que ele pediu ‘pelo amor de Deus’, mas não adiantou”.

Ela nega que o marido fosse traficante e diz que ele não tinha armas, mas contou que Anderson circulava por vários ambientes da comunidade e se relacionava com muitos grupos. E diz ainda que, se a polícia desconfiava do comportamento dele, Anderson deveria ter sido preso, e não morto.

“Tinha que levar ele, né? Algemar ele e levar ele, né? Não fazer o que eles fizeram, né?”

A viúva contou que Queiroz era um policial muito temido na comunidade.

“Falasse que era ele, minha filha, a rua ficava limpa. Ele fez muita mãe chorar ali, né? Eles eram muito violentos ali dentro. Quando ele apareceu na televisão, todo mundo: ‘é ele, é ele, é ele””, contou.

O Fantástico não conseguiu contato com a defesa de Queiroz.

‘Rachadinhas’ levaram à retomada do caso
A história só veio à tona agora porque o promotor do MP Claudio Calo teve acesso ao material durante a investigação de Fabrício Queiroz pelo esquema de “rachadinha” no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na Alerj, do qual foi assessor e motorista.

Preso no dia 18 de junho em Atibaia, interior de São Paulo, Queiroz voltou para casa, na Taquara, na última quinta-feira para cumprir prisão domiciliar. Adriano da Nóbrega virou miliciano e foi morto pela polícia na Bahia quando tentava fugir.

Em um despacho, o promotor Calo conta a história do caso, que começou em 2003. Na época, Queiroz era segundo sargento e seu colega de trabalho era o tenente Adriano. Os dois trabalhavam juntos no 18º Batalhão da PM, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio.

Em 15 de maio de 2003, Adriano e Queiroz, acompanhados de mais três policiais, fizeram uma incursão na Cidade de Deus, em um endereço de um suposto ponto de venda de drogas.

No local, contam que foram recebidos a tiros e revidaram. Anderson foi baleado três vezes e teria chegado morto ao hospital. Ele não tinha passagem pela polícia.

Segundo Queiroz e Adriano, foi apreendida no local uma bolsa com cocaína e uma pistola. Na época, eles prestaram depoimento no batalhão, entregaram os fuzis usados no dia e voltaram a trabalhar normalmente.

O caso foi registrado como auto de resistência, quando a polícia atira em alguém que resiste à abordagem e coloca a vida dos agentes em risco.

O comandante do batalhão decidiu arquivar o inquérito na Justiça Militar, mas enviou para a Polícia Civil para ser investigado, porque tinha dúvidas se tinha sido legítima defesa ou homicídio.

A polícia, no entanto, só instaurou o inquérito quase um ano depois do crime, em 7 de março de 2004.

Analisando o inquérito, o promotor encontrou vários problemas na investigação. Os fuzis usados por Queiroz e Adriano, de onde partiram as balas que mataram Anderson, nunca foram periciados. As balas também não foram examinadas.

“Esse exame balístico nunca apareceu no inquérito. Se foi pedido, se tem resultado, é preciso que a polícia científica dê uma resposta, porque esse material não foi [apresentado]”, diz o perito Nelson Massini. “Se não foi possível, poderia ter tido um documento dizendo não foi possível por razões de deformação do projétil, alguma justificativa, mas alguma coisas deveria ter a respeito desse documento. Estranhamente, esses policiais se apresentam e o material recolhido e não tem resposta.”

O jurista Thiago Bottino classifica a falta de perícia como um erro básico.

“Isso é claramente um erro grosseiro (…) Essas armas foram apresentadas na delegacia e não foram periciadas. Eu não consigo imaginar uma razão para que elas não tenham sido periciadas.”

De acordo com os exames feitos no corpo de Anderson, ele foi atingido por três tiros: um na parte de trás da cabeça, outro nas costas e outro no peito. São sinais de execução, segundo o perito Massini.

“Mas a trajetória são indicativos de que o indivíduo recebeu um primeiro disparo, provavelmente, na cabeça, teria já caído, e posteriormente foi atingido já no chão com outros dois disparos, então, há uma premissa, na narrativa que tenho feitos de outros casos, de que nesse caso houve execução, um complemento, invés da prisão e do atendimento correto, na verdade, houve uma sequência de tiros e a execução desse vítima”, avaliou.

Sem perícia nem depoimentos

O corpo de Anderson foi reconhecido pelo irmão, Alexandre Rosa de Souza, que nunca foi ouvido pelas autoridades. Nem ele nem nenhum parente ou amigo.

Nunca foi feita perícia no local do crime e nem nas mãos do homem morto para comprovar se nelas existiam vestígios de pólvora – um indicativo de que teria disparado uma arma.

Dos cinco policiais que teriam participado da incursão, apenas Queiroz e Adriano dispararam as armas. Nenhum deles tinha prestado depoimento até junho deste ano.

No mês passado, o PM Jorge Antonio Gilbert Rivelo prestou depoimento. Disse que não se lembra de nada porque já passou muito tempo.

A equipe de reportagem entrou em contato com outro policial da equipe de Queiroz na época, Nairober da Silva Cardoso, agora na reserva, que disse nunca ter ouvido sobre o caso.

13 tentativas de arquivamento

A 32ª DP (Taquara) é a responsável pela investigação. Ao longo dos anos, vários delegados chefiaram a delegacia, mas o inquérito não andou. A polícia chegou a desengavetar a papelada, mas apenas para pedir o arquivamento do caso. No total, foram 13 tentativas de arquivamento.

Como tudo aconteceu em 2003, se a morte de Anderson for um homicídio, o crime prescreve em 2023 e ninguém mais poderia ser condenado por ele.

Foto: Reprodução.

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