Ação do MPF tem como réu o prefeito de Pureza/RN por superfaturamento em alimentação escolar

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Por Redação Trampolim da Notícia — O Portal teve acesso a um documento de ação penal contra o Prefeito de Pureza/RN Neto Moura nesta sexta-feira (14). O autor do feito é o Ministério Público Federal que indica que o gestor teria, supostamente, superfaturado o valor de R$ 14.355,94 transferido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) destinados à execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Confira na íntegra:

Nº: 0800187-37.2019.4.05.8405 – AÇÃO PENAL – PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
RÉU: JOAO DA FONSECA MOURA NETO e outro
ADVOGADO: Adler Themis Sales Canuto De Moraes e outros
15ª VARA FEDERAL – RN (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)

SENTENÇA

1. RELATÓRIO

Trata-se de ação penal ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em face de JOÃO DA FONSECA MOURA NETO e MIGUEL TEIXEIRA DE OLIVEIRA, qualificados nos autos, por terem, supostamente, cometido o crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67.

Assevera, em síntese, o autor que: a) JOÃO DA FONSECA DE MOURA NETO, enquanto prefeito do Município de Pureza/RN de 2005/2008, juntamente com MIGUEL TEIXEIRA DE OLIVEIRA, responsável pela empresa KM DISTRIBUIDORA DE ALIMENTOS LTDA., desviaram o montante de R$ 14.355,94 (quatorze mil, trezentos e cinquenta e cinco reais e noventa e quatro centavos) (valores históricos) de recursos transferidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE destinados à execução do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE no exercício de 2008; b) entre 06/03/2008 e 18/12/2008, foi repassado o valor de R$ 72.248,00 (setenta e dois mil, duzentos e quarenta e oito reais) à empresa KM DISTRIBUIDORA, por intermédio de dez processos de pagamentos, sem o devido processo licitatório prévio, e; c) de acordo com os laudos de perícias criminais contábeis-financeiras nº 693/2016 e nº 324/2017, houve sobrepreço no valor de R$ 14.355,94 (quatorze mil, trezentos e cinquenta e cinco reais e noventa e quatro centavos).

Despacho do id 5218528 determinando a notificação dos acusados para apresentarem defesa preliminar.

MIGUEL TEIXEIRA DE OLIVEIRA apresentou manifestação prévia no id 5359571 suscitando a preliminar de incompetência da Justiça Federal de primeiro grau.

JOÃO FONSECA DE MOURA NETO apresentou defesa prévia no id 5374161, aduzindo que o MPF não narrou a sua conduta individualizada.

Decisão do id 5616795 afastando as preliminares suscitadas pelos réus e recebendo a denúncia, em 30/07/2019.

MIGUEL TEIXEIRA DE OLIVEIRA apresentou resposta à acusação no id 5829763, aduzindo que: a) o presente feito deve ser suspenso, tendo em vista a decisão proferida no RE nº 1055941/SP, em que foi determinada a suspensão de todos os processos em que houve compartilhamento de informações bancárias e fiscais por órgãos de fiscalização; b) não existe justa causa que possa ensejar o prosseguimento da ação penal; c) a narrativa do MPF não descreve nenhum ilícito capaz de ocasionar uma sentença condenatória, e; d) não há provas de que houve fraude no processo licitatório.

JOÃO DA FONSECA MOURA NETO apresentou resposta à acusação no id 5834020, suscitando a preliminar de incompetência do Juízo.

O MPF manifestou-se no id 5898320, requerendo a rejeição das preliminares e o prosseguimento do feito.

Decisão do id 5908415, afastando a preliminar de incompetência do Juízo e rechaçando a suspensão do feito em razão do que fora decidido no RE nº 1055941/SP. Foi afastada a absolvição sumária dos réus e determinada a realização de audiência de instrução e julgamento.

Termo de audiência juntado no id 6957607. Foi dado prazo para as partes juntarem documentos.

O réu JOÃO DA FONSECA MOURA NETO juntou o processo licitatório convite nº 003/2008 nos ids 6967004 e seguintes.

Nos ids 6968169, MIGUEL TEIXEIRA DE OLIVEIRA juntou uma pesquisa de preços.

O MPF apresentou alegações finais no id 6991361, requerendo a condenação dos réus.

No id 7053689, JOÃO DA FONSECA MOURA NETO apresentou suas razões finais, pleiteando por sua absolvição.

No id 7066172, MIGUEL TEIXEIRA DE OLIVEIRA apresentou alegações finais, requerendo a realização de perícia para averiguar se houve, de fato, o fornecimento de produtos com sobrepreço e, no caso de indeferimento, pleiteou por sua absolvição.

2. FUNDAMENTAÇÃO

Inicialmente, no que tange ao pedido de designação de perícia para se averiguar a “(…) idoneidade do fornecimento de mercadoria pelo réu, para que fique demonstrado o adimplemento da obrigação e o recebimento justo da contraprestação paga ao réu Miguel Teixeira de Oliveira (…)” (destaques no original), vê-se que não é a diligência mais indicada.

É que os fatos ocorreram em 2008 e, conforme consta no laudo de perícia contábil-financeiro nº 693/2016, confeccionado pela Polícia Federal, não existe no Brasil um banco de dados oficial que permita a verificação de preços históricos de gêneros alimentícios, como ocorre com os materiais de construção, por exemplo, abrangidos pelo Sistema Nacional de Preços e Índices para a Construção Civil – SINAPI, criado pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.

O laudo contábil-financeiro nº 324/2017, também confeccionado pela PF, cujo objetivo foi complementar o laudo anterior, também suscitou a dificuldade para a realização da pesquisa, indicando que “(…) para a maioria dos casos dos exames periciais em que não há uma tabela de preços oficiais para fins de comparação, a utilização da função ‘pesquisa de preço’ para fins de determinar preços de referência, poderá refletir em resultados distorcidos quanto ao sobrepreço e ao consequente levantamento do prejuízo ao erário público”.

Dessa forma, haja vista as dificuldades existentes para a realização de uma perícia específica para o presente caso em razão das razões expostas, mormente pelos fatos terem acontecido há 12 (doze) anos, deve ser indeferido o pedido do réu MIGUEL TEIXEIRA DE OLIVEIRA.

Considerando que todas as preliminares levantadas nos autos já foram devidamente afastadas nas decisões já proferidas, conforme relatado, passa-se à análise do mérito.

Destaque-se que, embora o MPF tenha levantado dúvidas, na petição inicial, quanto à realização de licitação ou a sua idoneidade, cumpre salientar que possíveis crimes da Lei de Licitações estariam prescritos, razão pela tais fatos não serão o foco principal desta ação, que apurará, em especial, o crime de desvio de verba em proveito alheio, pela compra de produtos com suposto sobrepreço.

De início, cumpre transcrever o tipo penal imputado aos réus pelo Ministério Público Federal.

Decreto-Lei nº 201/67

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

I – apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio;

(…)

§1º Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.

De acordo com a documentação juntada nos ids 6967004 e seguintes, foram convidadas a participar do processo licitatório do tipo convite, para o fornecimento de gêneros alimentícios ao Município de Pureza/RN, as empresas KM DISTRIBUIDORA DE ALIMENTOS LTDA., com uma proposta global de R$ 78.619,00 (setenta e oito mil, seiscentos e dezenove reais), RUAH SERVIÇOS DE LOCAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA LTDA., com uma proposta global de R$ 79.681,00 (setenta e nove mil, seiscentos e oitenta e um reais), e LAERTE MONTEIRO VIEIRA DE MELO ME, com uma proposta global de R$ 79.979,40 (setenta e nove mil, novecentos e setenta e nove reais e quarenta centavos), pelo que se consagrou vencedora a primeira empresa.

Contudo, aduz o MPF que houve sobrepreço nos produtos comprados pela prefeitura, o que teria ocasionado o desvio de verba, pelo município, em favor da empresa vencedora do certame, na ordem de R$ 14.355,94 (quatorze mil, trezentos e cinquenta e cinco reais e noventa e quatro centavos), caracterizando o crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67.

De acordo com os laudos nºs 693/2016 e 324/2017, produzidos pelo setor contábil-financeiro da Polícia Federal, houve realmente sobrepreço do valor global contratado na ordem de R$ 14.355,94 (quatorze mil, trezentos e cinquenta e cinco reais e noventa e quatro centavos) (valor histórico). Embora a licitação tenha sido realizada para a compra de 33 (trinta e três) itens, as perícias consideraram apenas os produtos constantes nas notas fiscais, ou seja, os que foram, realmente, comprados, que são 18 (dezoito) itens. De fato, pode ter ocorrido de parte dos alimentos terem constado na lista inicial da prefeitura, mas, por alguma razão, não terem sido efetivamente adquiridos. Assim, parece razoável o procedimento adotado pela Polícia Federal.

Outrossim, em razão da grande dificuldade de se encontrar valores históricos de gêneros alimentícios, conforme já amplamente comentado, os peritos utilizaram uma tabela de preços de mercado da prefeitura do Rio de Janeiro/RJ[1], usada como referência para aquisição de alimentos em diversos órgãos daquela cidade e apurada pela Fundação Getúlio Vargas – FGV. Foi usada a tabela referente ao mês de janeiro de 2009, por ser a mais próxima temporalmente à época dos fatos (2008). Além disso, considerando possíveis diferenças de preços por região do país e, ainda, adotando uma postura mais favorável aos réus, foi adotado como parâmetro para estimar os preços de mercado do Município de Pureza/RN os valores encontrados na tabela do Rio de Janeiro/RN acrescido de 20% (vinte por cento).

A seguir, a tabela comparando o preço pago pelo Município de Pureza/RN, o valor encontrado na tabela do Rio de Janeiro/RJ já com o ajuste de 20%, e a diferença (em valor histórico) entre o primeiro e o segundo:

Produto

Valor unitário pago

(A)

Qtde.

(B)

Valor total pago

(C) =

(A) x (B)

Valor cotado ajustado (D)

Valor total ajustado

(E) =

(D) x (B)

Diferença total

(F) =

(C) – (E)

Margarina vegetal 250g Adorita

4,50

240

1.080,00

1,15

276,00

804,00

Óleo de soja 900ml Perdigão

3,89

300

1.167,00

3,13

939,00

228,00

Achocolatado em pó 400g Galáxia

6,10

500

3.050,00

2,41

1.205,00

1.845,00

Arroz parboilizado T-1 1kg Copa Rei

1,95

1.120

2.184,00

2,14

2.396,80

– 212,80

Feijão carioquinha Curimataú 1kg

5,90

800

4.720,00

4,50

3.600,00

1.120,00

Proteína de soja 500g Supresoy

4,80

591

2.836,80

4,32

2.553,12

283,68

Açúcar refinado 1kg Ecoçucar

1,29

1.240

1.599,60

1,37

1.698,80

– 99.20

Macarrão comum 500g Favorita

1,70

1.330

2.261,00

1,94

2.580,20

– 319,20

Biscoito doce Maria 400g Vitamassa

4,90

1.510

7.399,00

2,40

3.624,00

3.775,00

Carne moída de 1ª qualidade Friboi[2]

3,90

879

Carne bovina de 2ª qualidade T-músculo Friboi

6,50

400

2.600,00

8,98

3.592,00

– 992,00

Frango congelado Bom Frango

4,99

870

4.341,30

3,37

2.931,90

1.409,40

Polpa de tomate Bem 500g Olé

2,60

220

572,00

1,70

374,00

198,00

Lei em pó integral Leite Bom 200g

16,90

1000

16.900,00

2,34

2.340,00

14.560,00

Sal lebre

0,25

264

66,00

0,94

248,16

-181,10

Carne de charque Rosarial

8,49

1.550

13.159,50

14,46

22.413,00

-9.253,50

Biscoito salgado Cream Cracker 400g Vitamassa

4,50

1.068

4.806,00

2,74

2.926,32

1.879,68

Arroz branco polido 1kg Copa Rei

1,95

1.050

2.047,50

2,62

2.751,00

– 703,50

TOTAL

70.789,70

56.449,30

14.340,40

Destaque-se que a pouca diferença entre o valor a que chegou a Polícia Federal[3] e o que consta na tabela acima[4], a saber, R$ 15,54 (quinze reais e cinquenta e quatro centavos), se deu em razão de ter sido utilizado, no laudo feito pela Polícia Federal, alguns valores com três casas decimais por ocasião da inserção do acréscimo de 20% aos produtos da cotação. Todavia, considerando que o Real possui apenas duas casas decimais, este Juízo preferiu arredondar os valores para a casa decimal mais próxima, o que resultou na pequena diferença citada, o que não causa nenhum prejuízo para nenhuma das partes, haja vista que alguns arredondamentos foram feitos para cima e outros para baixo e que a diferença, ao final, chega a ser irrisória.

Analisando a tabela, vê-se que, em relação aos produtos cotados, a prefeitura de Pureza/RN gastou R$ 70.789,70 (setenta mil, setecentos e oitenta e nove reais e setenta centavos), enquanto que a possível média de preços dos mesmos produtos, à época, era de R$ 56.449,30 (cinquenta e seis mil, quatrocentos e quarenta e nove reais e trinta centavos), pelo que se constata um sobrepreço de R$ 14.340,40 (quatorze mil, trezentos e quarenta reais e quarenta centavos).

Observa-se que alguns produtos foram comprados por valor acima do cotado (dez produtos), enquanto outros foram adquiridos por menor valor (sete produtos). Todavia, alguns deles chamam a atenção em razão da grande disparidade entre os valores pelos quais foram comprados e os cotados, o que fez com que a diferença total seja muito grande. Dentre eles, pode-se destacar um item comprado com sobrepreço e outro com subpreço. O leite em pó integral de 200g, teve a unidade cotada a R$ 2,34 (dois reais e trinta e quatro reais) e o município pagou R$ 16,90 (dezesseis reais e noventa centavos). A carne de charque, cujo valor pago, por quilo, foi de R$ 8,49 (oito reais e quarenta e nove centavos), teve o valor cotado em R$ 14,46 (quatorze reais e quarenta e seis centavos).

Em relação ao primeiro item, o valor pago a mais pelo Município de Pureza/RN chegou a 622% (seiscentos e vinte e dois por cento), ou seja, R$ 14.560,00 (quatorze mil, quinhentos e sessenta reais), no total. Em uma pesquisa rápida na internet, pode-se ver, facilmente, que a maioria dos pacotes de leite em pó integral de 200g varia, atualmente, de R$ 5,00 (cinco reais) a R$ 6,00 (seis reais), tendo sido encontrados muito poucos itens fora desses limites. Por sua vez, o valor do produto a que chegou a Polícia Federal, já com o acréscimo de 20% (vinte por cento) utilizado, foi de R$ 2,34 (dois reais e trinta e quatro reais), à época (2008), o que se afigura, de fato, razoável, haja vista o extenso decurso de tempo e a inflação do período.

No que tange ao segundo produto, qual seja, a carne de charque, constata-se que o município pagou aproximadamente 41% (quarenta e um por cento) a menos do que o valor cotado. No total gasto com a compra de 1.550kg (mil, quinhentos e cinquenta quilos) do produto, a prefeitura “economizou” R$ 9.253,50 (nove mil, duzentos e cinquenta e três reais e cinquenta centavos). Nesse ponto, cumpre destacar que, ao contrário do que ocorreu com o leite em pó, cujo preço de compra foi muito maior do que o praticado atualmente, o valor pago pelo município na compra da carne de charque não parece se afastar do razoável para os preços praticados na localidade, à época. Além disso, observa-se que a diferença percentual entre os dois preços não chega a ser completamente absurda, havendo ocasiões, inclusive, em que diferenças de preços de produtos na atualidade chegam próximos a isso. Por essas razões, o preço diminuto em relação ao da planilha utilizada para as compras do Rio de Janeiro/RJ deve ser considerado normal. Não obstante, o valor “economizado” pela prefeitura nessa compra foi considerado na planilha, tendo sido subtraído, assim como os demais produtos em que houve subpreço, do total.

Foi possível identificar, ainda, outras diferenças percentuais de preços consideráveis, contudo, menos significantes no preço total pago, seja pelo baixo custo individual, seja pela pouca quantidade adquirida.

Nessa situação, pode-se citar (a) a margarina vegetal, produto pelo qual o município pagou 291% (duzentos e noventa e um por cento) a mais, correspondente a R$ 804,00 (oitocentos e quatro reais), (b) o achocolatado em pó, em que foi pago 153% (cento e cinquenta e três por cento) a mais pela prefeitura, a saber, R$ 1.845,00 (mil, oitocentos e quarenta e cinco reais), e (c) o biscoito doce Maria, cujo preço pago foi 104% (cento e quatro por cento) superior ao valor cotado, correspondente a R$ 3.775,00 (três mil, setecentos e setenta e cinco reais).

No que tange aos produtos comprados mais baratos pelo Município de Pureza, pode-se destacar (a) o sal lebre, em que pagou 74% (setenta e quatro por cento) a menos do valor cotado, o que rendeu uma economia de R$ 181,10 (cento e oitenta e um reais e dez centavos), (b) a carne bovina de segunda qualidade, comprada pela prefeitura por 28% (vinte e oito por cento) a menos do valor cotado, economizando R$ 992,00 (novecentos e noventa e dois reais), e; (c) o arroz branco polido, comprado por 26% (vinte e seis por cento) a menos do valor cotado, com uma economia de R$ 703,50 (setecentos e três reais e cinquenta centavos).

Como se percebe, os valores pagos a mais pela prefeitura foram muito superiores aos valores pagos a menos, o que ocasionou, fatalmente, um sobrepreço de R$ 14.340,40 (quatorze mil, trezentos e quarenta reais e quarenta centavos), equivalente a 19,85% (dezenove vírgula oitenta e cinco por cento) do valor total repassado ao município, que foi R$ 72.248,00 (setenta e dois mil, duzentos e quarenta e oito reais), o que, em se tratando de uma pequena cidade do interior nordestino, é relevante.

Ouvido em Juízo, o réu JOÃO FONSECA MOURA NETO aduziu que a empresa KM DISTRIBUIDORA DE ALIMENTOS LTDA. ofereceu, à época, o melhor preço dentre as convidadas e, por isso, foi contratada. Asseverou, também, que em quase todos os meses em que havia aula, a prefeitura complementava o valor referente à merenda dos alunos, uma vez que não era suficiente o valor repassado por intermédio do PNAE. MIGUEL TEIXEIRA DE OLIVEIRA asseverou que nunca vendeu produtos superfaturados e que quase todos os produtos vêm do sul do país, havendo custos com frete e problemas de safra, o que pode ter ocasionado o aumento dos preços dos itens. Por sua vez, JOSÉ REGIVALDO SILVA DE LIMA, testemunha de defesa, disse que foi procurado por MIGUEL TEIXEIRA por trabalhar no comércio, para que fizesse uma pesquisa de preços, mas aduziu que encontrou muita dificuldade em razão de as compras ora analisadas terem sido feitas em 2008. Informou que os poucos produtos que encontrou em tabelas da Universidade Federal de Santa Maria e da prefeitura de Maringá, são compatíveis com os valores pagos pelo Município de Pureza/RN.

Em relação às alegações de JOÃO FONSECA MOURA NETO, embora, em tese, a empresa vencedora das licitações deva oferecer um preço melhor em relação aos praticados pelos estabelecimentos em geral, uma vez que garantiriam um contrato maior em razão de estarem lidando com o Poder Público, nem sempre isso ocorre, como no caso dos autos. O objetivo principal do processo licitatório ora analisado era a contratação da empresa que oferecesse o menor preço, contudo, esse menor preço não deve ser apenas em relação às empresas participantes do certame, mas referente ao próprio mercado; caso contrário, não haveria razão de existir, uma vez que bastaria ao governante ou a quem fosse delegada a função comprar diretamente nos mercados próximos. Dessa forma, é dever do governante estar atento a essa questão, principalmente quando se trata de uma cidade pequena, que, de acordo com estimativa do IBGE de 2019[5], possui menos de dez mil habitantes.

Não obstante, a complementação da verba destinada à merenda escolar pelo prefeito, o que também não foi comprovado, não afasta o prejuízo causado. Aliás, aumenta, uma vez que a prefeitura, além de gastar o dinheiro recebido pelo PNAE de forma pouco eficiente, ainda teve que destinar verba do próprio cofre para cobrir as despesas com as merendas.

No que se refere ao que disse MIGUEL TEIXEIRA DE OLIVEIRA, vê-se que houve, sim, superfaturamento na maioria dos itens que constam nas notas fiscais emitidas pela empresa, inclusive, um dos itens chegando a 622% (seiscentos e vinte e dois por cento) de sobrepreço. Os supostos gastos com problemas de safra e custos de frete deveriam ter sido especificados pelo réu, não cabendo, aqui, defender essa tese de forma genérica, como foi feito. Além disso, destaque-se que o preço cotado foi acrescido de 20% (vinte por cento) com o intuito, justamente, de cobrir as diferenças de preços possivelmente existentes entre o município de Pureza/RN e o do Rio de Janeiro/RJ.

Por todo o exposto, em razão do sobrepreço constatado, observa-se que houve desvio de verba da prefeitura de Pureza/RN para a empresa KM DISTRIBUIDORA DE ALIMENTOS LTDA., referente aos recursos recebidos por intermédio do PNAE/2008, razão pela qual se considera estar devidamente comprovada a materialidade do crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67.

Em relação à autoria, da mesma forma, está clara.

O prefeito, à época, JOÃO FONSECA MOURA NETO, por seu cargo, possui responsabilidade no desvio de verba, haja vista que, conforme já mencionado, era gestor de uma pequena cidade e responsável, no final das contas, pela fiscalização e execução dos contratos existentes na edilidade. Além disso, segundo ele mesmo afirmou em audiência, ele próprio ia buscar a merenda das crianças, o que comprova o grau de proximidade do gestor de pequenas cidades com os fornecedores.

Em relação a MIGUEL TEIXEIRA DE OLIVEIRA, obviamente, está configura a autoria, uma vez que é proprietário da empresa que forneceu os produtos com sobrepreço considerável à prefeitura.

Assim, estando comprovadas a materialidade e a autoria, devem os dois réus serem condenados pelo cometimento do crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67.

3. DISPOSITIVO

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos deduzidos pelo MPF na denúncia para CONDENAR os réus JOÃO DA FONSECA MOURA NETO e MIGUEL TEIXEIRA DE OLIVEIRA pela prática do crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67.

Em razão disso, passo à dosimetria, de forma individual e isolada, das penas a serem aplicadas, em consonância com os arts. 5º, XLVI, da Constituição Federal e arts. 59 e 68 do Código Penal.

DA DOSIMETRIA DA PENA

a) JOÃO DA FONSECA MOURA NETO

Circunstâncias judiciais:

Culpabilidade: circunstância favorável, tendo em vista que inerente ao tipo penal, não havendo nenhum motivo para considerar que houve exacerbação de tal circunstância;
Antecedentes: circunstância favorável, ante a inexistência de informações sobre decisão condenatória transitada em julgado em ações penais;
Conduta social: circunstância neutra, ante a inexistência de informações que possam fundamentar qualquer conclusão;
Personalidade: circunstância neutra, em face da insuficiência de dados para analisar sua personalidade;
Motivos: circunstância favorável, uma vez que os motivos para o cometimento do crime são inerentes ao tipo penal;
Circunstâncias: circunstância desfavorável, haja vista a enorme diferença entre o valor dos itens comprados e o valor real;
Consequências: circunstância favorável, tendo em vista que o prejuízo causado ao município não foi de vultosa quantia, bem como pelo fato de não existir informações nos autos de que, em razão da conduta do réu, faltou merenda na cidade;
Comportamento da vítima: circunstância neutra, não sendo aplicável ao caso.

Tendo em vista que a pena para o crime em tela é de reclusão de 02 (dois) a 12 (doze) anos, considerando as circunstâncias descritas, fixo a pena-base em 03 (três) anos e 05 (cinco) meses e 04 (quatro) dias de reclusão, por considerá-la necessária e suficiente para a prevenção e repressão do crime.

Circunstâncias legais:

Não existem circunstâncias atenuantes ou agravantes.

Assim, mantenho a pena-base.

Causas de aumento ou diminuição da pena

Inexistem causas de aumento e diminuição da pena.

Assim, mantenho a pena em 03 (três) anos e 05 (cinco) meses e 04 (quatro) dias de reclusão, pelo que a TORNO CONCRETA e DEFINITIVA.

De outras condenações

Haja vista a expressa previsão do art. 1º, § 2º, do Decreto-Lei nº 201/67, condeno o réu à perda do cargo de Prefeito do Município de Pureza/RN, bem como à inabilitação, pelo prazo de 05 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação.

Do regime inicial do cumprimento de pena

Nos termos exatos do art. 33, §§ 2º, “c”, e 3º, do Código Penal, tendo em vista o quantum de pena aplicada, fixo o regime inicial de cumprimento de pena como “aberto”.

Suspensão condicional da pena ou substituição da pena privativa de liberdade

De acordo com o art. 77 do CP, é cabível a suspensão da pena quando ela não for superior a dois anos, o condenado não for reincidente em crime doloso, a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade, os motivos e as circunstâncias autorizarem a concessão do benefício e quando não for indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 do mesmo diploma.

No caso dos autos, embora o réu preencha a maioria dos requisitos, não há qualquer impedimento à substituição da pena, conforme previsão do art. 44 do CP. Assim, deixo de suspender condicionalmente a pena.

Contudo, afigurando-se cabível a substituição da pena privativa de liberdade acima imposta por duas penas restritivas de direitos, nos termos do art. 44, § 2º, c/c o art. 43, I e IV, e arts. 45, § 1º, e 46 do Código Penal, deixo de aplicar o sursis, com base no art. 77, III, do Código Penal, e substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consubstanciadas (a) prestação de serviços à comunidade (art. 43, IV, do Código Penal), em entidade a ser fixada pelo Juízo da Execução, à razão de 01 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, nos termos do art. 46, § 3º, do Código Penal e (b) prestação pecuniária em benefício de entidade pública também a ser definida pelo Juízo da Execução, no valor de 35 (trinta e cinco) salários mínimos (arts. 43, I e 45, §1º do CP).

Da custódia cautelar

Não estando presentes os requisitos para a prisão preventiva, pode o réu apelar em liberdade.

b) MIGUEL TEIXEIRA DE OLIVEIRA

Circunstâncias judiciais:

Culpabilidade: circunstância favorável, tendo em vista que inerente ao tipo penal, não havendo nenhum motivo para considerar que houve exacerbação de tal circunstância;
Antecedentes: circunstância favorável, ante a inexistência de informações sobre decisão condenatória transitada em julgado em ações penais;
Conduta social: circunstância neutra, ante a inexistência de informações que possam fundamentar qualquer conclusão;
Personalidade: circunstância neutra, em face da insuficiência de dados para analisar sua personalidade;
Motivos: circunstância favorável, uma vez que os motivos para o cometimento do crime são inerentes ao tipo penal;
Circunstâncias: circunstância desfavorável, haja vista a enorme diferença entre o valor dos itens comprados e o valor real;
Consequências: circunstância favorável, tendo em vista que o prejuízo causado ao município não foi de vultosa quantia, bem como pelo fato de não existir informações nos autos de que, em razão da conduta do réu, faltou merenda na cidade;
Comportamento da vítima: circunstância neutra, não sendo aplicável ao caso.

Tendo em vista que a pena para o crime em tela é de reclusão de 02 (dois) a 12 (doze) anos, considerando as circunstâncias descritas, fixo a pena-base em 03 (três) anos e 05 (cinco) meses e 04 (quatro) dias de reclusão, por considerá-la necessária e suficiente para a prevenção e repressão do crime.

Circunstâncias legais:

Não existem circunstâncias atenuantes ou agravantes.

Assim, mantenho a pena-base.

Causas de aumento ou diminuição da pena

Inexistem causas de aumento e diminuição da pena.

Assim, mantenho a pena em 03 (três) anos e 05 (cinco) meses e 04 (quatro) dias de reclusão, pelo que a TORNO CONCRETA e DEFINITIVA.

De outras condenações

Haja vista a expressa previsão do art. 1º, § 2º, do Decreto-Lei nº 201/67, condeno o réu à inabilitação, pelo prazo de 05 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação.

Do regime inicial do cumprimento de pena

Nos termos exatos do art. 33, §§ 2º, “c”, e 3º, do Código Penal, tendo em vista o quantum de pena aplicada, fixo o regime inicial de cumprimento de pena como “aberto”.

Suspensão condicional da pena ou substituição da pena privativa de liberdade

De acordo com o art. 77 do CP, é cabível a suspensão da pena quando ela não for superior a dois anos, o condenado não for reincidente em crime doloso, a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade, os motivos e as circunstâncias autorizarem a concessão do benefício e quando não for indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 do mesmo diploma.

No caso dos autos, embora o réu preencha a maioria dos requisitos, não há qualquer impedimento à substituição da pena, conforme previsão do art. 44 do CP. Assim, deixo de suspender condicionalmente a pena.

Contudo, afigurando-se cabível a substituição da pena privativa de liberdade acima imposta por duas penas restritivas de direitos, nos termos do art. 44, § 2º, c/c o art. 43, I e IV, e arts. 45, § 1º, e 46 do Código Penal, deixo de aplicar o sursis, com base no art. 77, III, do Código Penal, e substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consubstanciadas (a) prestação de serviços à comunidade (art. 43, IV, do Código Penal), em entidade a ser fixada pelo Juízo da Execução, à razão de 01 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, nos termos do art. 46, § 3º, do Código Penal e (b) prestação pecuniária em benefício de entidade pública também a ser definida pelo Juízo da Execução, no valor de 35 (trinta e cinco) salários mínimos (arts. 43, I e 45, §1º do CP).

Da custódia cautelar

Não estando presentes os requisitos para a prisão preventiva, pode o réu apelar em liberdade.

Do valor mínimo para reparação dos danos

O art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, com a redação determinada pela Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, prescreve que deve constar da sentença condenatória a fixação do valor mínimo para a reparação dos danos causados pelo delito, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.

Dessa forma, condeno ambos os réus, de forma solidária, à restituição do valor de R$ 14.340,40 (quatorze mil, trezentos e quarenta reais e quarenta centavos) ao Município de Pureza/RN.

Das custas processuais

Condeno os réus ao pagamento das custas do processo.

Das providências finais

Após o trânsito em julgado da condenação, determino a adoção dos seguintes procedimentos: a) o lançamento do nome dos réus JOÃO DA FONSECA MOURA NETO e MIGUEL TEIXEIRA DE OLIVEIRA no rol dos culpados; b) a comunicação ao Tribunal Regional Eleitoral onde os réus se encontram inscritos para a suspensão de seus direitos políticos (art. 15, inciso III, da Constituição Federal) e ao Departamento da Polícia Federal, remetendo-lhes cópias da sentença e da certidão do seu trânsito em julgado.

Conforme faculta o art. 387, inciso VI, do CPP, publique-se apenas a parte dispositiva desta sentença no Diário Oficial Eletrônico da Justiça Federal de 1ª grau da 5ª Região.

Intime(m)-se o(s) advogado(s) do(s) réu(s). Dê-se ciência ao Ministério Público Federal.

HALLISON RÊGO BEZERRA

Juiz Federal

[1] Disponível em http://www.rio.rj.gov.br/web/cgm/exibeconteudo?id=4113609. Acessado em 01/06/2020.

[2] Não foi encontrada cotação para o produto, razão pela qual a linha referente a esse produto não foi considerada nos cálculos.

[3] R$ 14.355,94 (quatorze mil, trezentos e cinquenta e cinco reais e noventa e quatro centavos).

[4] R$ 14.340,40 (quatorze mil, trezentos e quarenta reais e quarenta centavos).

[5] Disponível em https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/rn/pureza.html. Acessado em 09/06/2020.

Processo: 0800187-37.2019.4.05.8405
Assinado eletronicamente por:
HALLISON REGO BEZERRA – Magistrado
Data e hora da assinatura: 22/06/2020 11:39:46
Identificador: 4058405.7194607

Para conferência da autenticidade do documento:
https://pje.jfrn.jus.br/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam

Foto: Reprodução.

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