G1 – Por: Mauro Ferreira
♪ MÚSICAS PARA DESCOBRIR EM CASA – À flor da pele (Maurício Tapajós, Clara Nunes e Paulo César Pinheiro, 1977) com Clara Nunes
♪ Talvez somente os seguidores mais atentos da obra de Clara Nunes (12 de agosto de 1942 – 2 de abril de 1983) tenham notado que, nos créditos da música À flor da pele, o nome da cantora mineira apareceu pela primeira – e única – vez como compositora.
Sim, a composição À flor da pele – apresentada no décimo álbum solo da artista, As forças da natureza, lançado em 1977 pela gravadora Odeon – foi feita com a colaboração de Clara Nunes.
A artista não participou da construção da letra – escrita inteiramente por Paulo César Pinheiro, marido e então já produtor musical dos discos da cantora – mas da criação de melodia, feita em parceria com Maurício Tapajós (27 de dezembro de 1943 – 21 de abril de 1995), compositor carioca que, desde 1971, já vinha fazendo música com letras de Paulo César Pinheiro.
Qualquer que tenha sido a efetiva colaboração de Clara na criação da melodia, À flor da pele resultou em mais um exemplo da sintonia de melodista e letrista na arte da composição.
Arranjada pelo maestro Ivan Paulo, a gravação original se insinuou como tango, por conta da introdução feita com o toque do bandoneon do músico gaúcho Ubirajara Silva, pai do cantor e compositor Taiguara (1945 – 1996).
Contudo, a música logo evoluiu para a levada de samba-canção. Na construção de letra que evocou o universo feminino do cancioneiro de Chico Buarque, Paulo César Pinheiro rimou palavras terminadas em “or” e “ina” para narrar a sina fictícia de mulher usada e abusada por homem – mulher cúmplice do ferino desejo sexual do macho, mas sobretudo vítima de relacionamento tóxico ainda recorrente na sociedade patriarcal.
Cantora de voz luminosa, Clara Nunes soube entrar no clima sombrio de À flor da pele sem fazer melodrama em interpretação perfeita.
Embora tenha gerado clipe exibido pelo programa Fantástico (TV Globo) em 1977, a gravação de À flor da pele foi eclipsada na época por outras músicas mais populares do repertório de As forças da natureza, álbum repleto de sucessos como Partido da Clementina de Jesus (Candeia, 1977), Coisa da antiga (Wilson Moreira e Nei Lopes, 1977), Coração leviano (Paulinho da Viola, 1977) e o samba-título As forças da natureza (João Nogueira e Paulo César Pinheiro, 1977).
Mesmo sem ter se tornado um dos maiores sucessos da cantora, À flor da pele foi uma das 14 músicas selecionadas, 18 anos depois, pelo produtor musical José Milton para serem recicladas no álbum póstumo Clara Nunes com vida (1995), projeto de duetos virtuais da cantora, produzidos através das tecnologias de estúdio. Nesse disco, À flor da pele ressurgiu em dueto de Clara com a cantora Angela Maria (1929 – 2018), voz da era do rádio.
Quatro anos depois deste disco de encontros virtuais, Alcione regravou À flor da pele no álbum Claridade (1999), tributo da Marrom à colega mineira de quem foi amiga e admiradora. Mais tarde, a mesma Alcione reviveu novamente a composição no disco Uma nova paixão – Ao vivo (2006).
Em 2013, À flor da pele reapareceu na voz da cantora potiguar Valéria Oliveira em outro tributo fonográfico à Guerreira, Em águas claras – Homenagem a Clara Nunes.
E, mesmo que nem sempre seja lembrada com a frequência de outras composições associadas à mineira de forma imediata, a música À flor da pele cumpriu a sina de mostrar que, até mesmo na arte da composição, Clara Nunes foi iluminada.
♪ Ficha técnica da Música para descobrir em casa 7 :
Título: À flor da pele
Compositores: Maurício Tapajós, Clara Nunes e Paulo César Pinheiro
Intérprete original: Clara Nunes
Álbum da gravação original: As forças da natureza
Ano da gravação original: 1977
Regravações que merecem menções: as de Alcione nos álbuns Claridade (1999) e Uma nova paixão – Ao vivo (2006).
♪ Eis a letra de À flor da pele :
“Não sei quando ou como começou
Só sei que me alucina
Me perdi do fio condutor
Do amor que me domina
E você me usa a seu favor
Igual mulher de esquina
E me leva embora, traidor,
Assim que se termina
Mas se você quer eu logo vou
Sabendo da rotina
Despencamos sobre o cobertor
Devasso e libertina
Me diz coisas feias e de amor
À luz da lamparina
Me devora o corpo, sedutor,
Igual fera assassina
E você me arrasta nessa dor
Que aos poucos me arruína
Ando já com meus nervos à flor
Da pele já mofina
Tenho olheiras fundas e palor
De álcool e nicotina
Minhas noites durmo com pavor
À base de aspirina
Sei que estou secando ao seu dispor
Sei que estou ficando sem valor
Sei que você vai sumir e eu vou,
Vou cumprir minha sina
Ah, ah,
Vou cumprir minha sina
Vou cumprir minha sina”