Renovada e sem Deltan, Lava Jato corre risco de perder o fio da meada em ‘quebra-cabeça’

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Mais do que um porta-voz ou um para-raio de críticas, o procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol tinha entre suas atribuições uma responsabilidade fundamental em uma operação que pode se perder diante de seu gigantismo e de uma certa corrida contra o tempo.

Como coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan praticamente não participava mais da rotina de audiências na Justiça nem vinha se manifestando sobre detalhes dos mais recentes focos da operação.

Mas, ao longo de sua trajetória na operação, esteve à frente das discussões internas sobre os passos seguintes das investigações e quais rumos as novas etapas deveriam priorizar.

Trata-se de uma escolha crucial para uma operação que acumulou tão vasto acervo que leva a uma miríade de possibilidades sobre os caminhos nos quais vale a pena investir tempo e recursos.

Na linguagem de um de seus principais críticos, o procurador-geral Augusto Aras, essa bagagem de delações, depoimentos e conexões de provas colhidas ao longo de seis anos representam uma “caixa de segredos” que precisa ser desfeita.

Partem dessa “caixa” desdobramentos de investigações que embasam as novas frentes da operação. Passados seis anos e meio da deflagração da primeira fase, o cálculo agora envolve também a viabilidade operacional de insistir em certos assuntos. Parcela importante das apurações dos crimes na Petrobras, por exemplo, tem conexões com o caixa eleitoral das campanhas de 2006 e 2010 —mais de uma década atrás, portanto.

Quanto mais antiga a suspeita, mais difícil fica levantar provas, ouvir relatos e comprovar os delitos —sem falar na possibilidade da prescrição. Em 2017, Deltan falou à Folha sobre como identificava prioridades nesse trabalho: “A questão passa a girar em torno do quanto vai ser útil para a sociedade a propositura de novas ações [sobre assuntos antigos já abordados] que vão ocupar o tempo que seria investido em realizar investigações em relação a pessoas que ainda não foram alcançadas”.

O cálculo sobre o rumo das novas frentes da Lava Jato mescla, portanto, o quanto as investigações são exequíveis, o prazo decorrido desde os crimes delatados e, pode-se especular diante do teor das conversas que vieram a público em 2019, até o alcance midiático e político que as acusações inéditas podem proporcionar.

Nos últimos anos, essa avaliação também passou a levar em conta o risco de novas etapas serem paralisadas por ordens de tribunais de outras instâncias. Exemplos recentes mostraram o quanto um rumo incerto pode significar meses de trabalho em vão. Foram retiradas de Curitiba, por exemplo, duas das principais frentes da Lava Jato em 2019, uma que envolvia o ex-operador do PSDB Paulo Preto e outra que tratava de negócios de um dos filhos do ex-presidente Lula.

A avaliação desses fatores agora caberá ao substituto de Deltan, Alessandro José Fernandes de Oliveira, que, embora atuante no âmbito da Lava Jato em Brasília, não esteve imerso na vastidão de procedimentos que a Lava Jato paranaense gerou desde 2014. Deltan comparava as investigações da Lava Jato à montagem de um quebra-cabeças que precisa recorrer a peças de fases antigas da operação para formar seu quadro completo —analogia odiada por advogados.

Em um caso recente, uma denúncia apresentada na semana passada contra o atual ministro do Tribunal de Contas da União Vital do Rêgo contou com elementos de uma investigação correlata contra o ex-senador Gim Argello, deflagrada ainda em 2016. A renovação do grupo de procuradores da força-tarefa pode atrapalhar, sem a memória desses episódios distantes, novas construções desse tipo.

A força-tarefa de Curitiba tem hoje 14 integrantes, sendo que só 5 são veteranos das etapas mais antigas da operação. Em 2019, se aposentou um dos mentores da investigação nesse formato, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, que, assim como Deltan, havia atuado no caso Banestado nos anos 2000, no qual algumas das fórmulas da Lava Jato foram gestadas.

O procurador Diogo Castor, que liderou apurações sobre o ex-deputado Eduardo Cunha, foi retirado do grupo também no ano passado depois de comprar um outdoor de autoelogio à operação e acabou enviado de volta para sua lotação mais pacata no interior do estado. Jerusa Viecili, que ficou conhecida por um pedido de desculpas após a revelação de mensagens sobre a morte de um neto de Lula, retornou para o Rio Grande do Sul.

O grupo de procuradores em Curitiba teve sua autorização de funcionamento provisoriamente renovada por um ano no último dia 1º, em medida que ainda foi avalizada pelo procurador-geral. No campo político, sem sua principal face, a Lava Jato tende a perder força em seus embates com Augusto Aras e com os ministros da ala crítica do Supremo Tribunal Federal.

Mas a discrição também pode ter suas vantagens. Mesmo sendo muito mais afetadas por medidas do ministro Gilmar Mendes, o braço da Lava Jato no Rio, por exemplo, teve resultados até mais efetivos nos últimos tempos do que os de seu grupo inspirador, de Curitiba. Resta ver se, formalmente afastado, Deltan ainda manterá influência sobre a equipe.

A LAVA JATO DO PARANÁ EM NÚMEROS

73 fases deflagradas desde março de 2014

52 ações penais em andamento*

não computa processos desmembrados ou suspensos 60 ações penais já sentenciadas em primeira instância

159 réus condenados na primeira instância

49 acordos de colaboração firmados

1.300 mandados de buscas e apreensão expedidos

Etapas mais recentes:

73ª (25 de agosto): Apura pagamento de propina ao ministro do Tribunal de Contas da União Vital do Rego. Ação penal contra ele acabou barrada no STF

72ª (19 de agosto): Investiga as relações entre o estaleiro Eisa, que pertence a sócios da companhia Avianca, e o ex-presidente da estatal Transpetro Sérgio Machado, hoje delator

71ª (18 de junho): Tinha como alvos suspeitos de serem operadores de propina no exterior de executivos da Petrobras.

Fonte: Folha de São Paulo.

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