Candidato a prefeito no Maranhão é acusado de matar o pai, ex-prefeito

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O empresário Manoel Mariano de Sousa Filho (PSC), 51, o “Júnior do Nenzim”, se lançou candidato a prefeito de Barra do Corda (MA), um cargo já exercido três vezes pelo seu pai. Seria mais um clã familiar aferrado ao poder não fosse por uma série de acontecimentos que abalaram a cidade: Manoel é acusado de ter matado o próprio pai, em 2017, e disputa o cargo contra um irmão, o deputado estadual Rigo Teles (PV), cuja campanha é apoiada por um terceiro irmão, Pedro, acusado por um outro homicídio, de um líder sem-terra, em 1998.

O apelido de Júnior é referência ao pai, Manoel Mariano de Sousa, o “Nenzim”, assassinado aos 78 anos, em 6 de dezembro de 2017, com um tiro na lateral direita do pescoço. A polícia concluiu que o disparo foi dado à queima-roupa, de uma distância estimada entre 5 cm e 30 cm.

Na manhã daquele dia, o ex-prefeito Manoel estava em sua casa quando o atual candidato a prefeito, Júnior, foi pegá-lo em sua camionete Ranger. Ele disse que precisavam conversar com um advogado da família, Luís Augusto Bonfim Neto.

No caminho, a camionete fez uma parada numa rua deserta no loteamento Morada do Rio Corda. A partir daqui a versão de Júnior diverge das conclusões da investigação. Ele alegou em juízo que seu pai pediu que ele parasse porque precisava urinar.

“Quando ele se posicionou o quadril dele, […] para virar a cintura dele [e sair do carro], ficou conversando comigo, uns três a quatro minutos, eu escutei, fez, deu uma pancada forte no carro, que seja um pedaço de pau batendo na lataria do carro, ele fez [se mexeu para a frente], ‘Ô, Mariano’…”, disse o candidato em depoimento ao juiz de Barra do Corda no ano passado.

Júnior argumentou que não percebeu que seu pai recebera um tiro. “Eu disse: ‘Pai, você tá passando mal?’ Aí também ele não falou mais. Eu fiquei já sem ação”, disse Júnior. Ele afirmou que telefonou para seu advogado, Luís, para dizer que seu pai estava “passando mal”.

Antes de chegar à casa do advogado, disse Júnior, ele viu “um pouquinho de sangue” saindo do ouvido do pai, que também teria vomitado. Logo que chegou à casa de Luís, segundo a versão de Júnior, ele repassou o volante para o advogado.

Dali seguiram para um posto de gasolina, onde uma outra pessoa, um motorista da família, assumiu a condução da camionete. Eles por fim seguiram para uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), onde Júnior também precisou ser atendido porque teria passado mal. O ex-prefeito foi então transferido para um hospital em outra cidade, a 100 km de Barra do Corda, mas morreu no meio do caminho. Nos depoimentos que prestou à polícia e à Justiça, Júnior negou qualquer envolvimento com o crime.

Polícia diz que carro de Júnior foi lavado após o tiro

Para o Ministério Público, a versão de Júnior – de que não teria percebido que um tiro atingiu seu pai – é insustentável e ele mesmo teria disparado contra a cabeça de “Nenzim”. Segundo o MP, a Polícia Civil apontou que houve um lapso de 40 minutos do momento do tiro até a chegada à UPA para o atendimento médico e apontou que a camionete passou por uma limpeza completa em um lava-jato. O veículo “foi apreendido já lavado e sem o banco do passageiro, que havia sido retirado porque estava encharcado de sangue”.

De acordo com a denúncia do MP, as investigações indicaram que Júnior “praticava furto de gado nas fazendas de seu pai, pois estava muito endividado em decorrência de compromissos firmados durante a sua campanha eleitoral”. Em 2016, ele havia se candidatado à prefeitura com o apoio do pai.

Recebeu 47,8% dos votos válidos do município, com cerca de 46 mil eleitores, mas perdeu a eleição para Eric Costa (PC do B). Segundo a Promotoria, na manhã do crime “Nenzim” estava determinado a levar Júnior para uma de suas fazendas a fim de fazer uma recontagem do gado. Ele chegou a contratar um outro vaqueiro para o trabalho. Assim, disse o MP, Júnior matou o pai para “evitar a constatação dos furtos”.

Manoel Mariano de Sousa Filho, o “Júnior do Nenzin”, chega para depor à polícia em 2017 sob acusação de ter matado o pai, ex-prefeito de Barra do Corda (MA) Imagem: Frame internet/ TV Cidade Presidente Dutra Canal 7.

A polícia obteve uma ordem de prisão contra Júnior no mesmo dia em que “Nenzim” estava sendo velado em Barra do Corda. Ao saber da ordem, o filho rumou para a casa de um amigo e não chegou a presenciar o sepultamento do pai, de acordo com o MP. Foi preso dias depois no bairro Altamira, em Barra do Corda. Júnior disse à Justiça que foi à casa de um amigo e falou com um advogado porque queria marcar sua apresentação à polícia no dia seguinte.

Júnior foi levado para a Penitenciária de Pedrinhas, em São Luís (MA), onde permaneceu até outubro de 2019, quando a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Maranhão acolheu um habeas corpus para que ele aguardasse em liberdade o andamento do processo e a sessão do tribunal do júri que decidirá sobre o caso. Nesse meio tempo, Júnior registrou sua candidatura na Justiça Eleitoral. Ele tem repetido aos seus apoiadores durante a campanha que não há impedimento legal à sua candidatura, já que não foi condenado. O tribunal do júri ainda não tem data marcada.No sistema da Justiça Eleitoral, até a noite deste sábado a candidatura de Júnior aparecia com o status de “aguardando julgamento”, ou seja, o pedido ainda não foi deferido.

A família de “Nenzim” é abastada e politicamente influente na região de Barra do Corda, município com cerca de 87 mil moradores localizado a 346 km de São Luís (MA). Em 2011, a gestão de “Nenzim”, o pai, foi alvo de uma operação da Polícia Federal denominada Astiages. O TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região expediu 12 mandados de prisão. “Nenzim” obteve um habeas corpus no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

O irmão de Júnior que também é candidato a prefeito em 2020, o deputado estadual Rigo Teles (PV), declarou à Justiça Eleitoral em 2018 um patrimônio de R$ 6,7 milhões, incluindo um avião e vários terrenos. Na última eleição que disputou, em 2012, o patriarca “Nenzim” declarou patrimônio de R$ 1,8 milhão, entre imóveis e veículos. Em 2016, Júnior era dono de oito carros, duas motocicletas, uma casa e um terreno. Depois de sua prisão, agora declara possuir R$ 140 mil em bens.

Além do seu irmão Rigo, Júnior disputa a prefeitura com outros dois candidatos: Gil Lopes (PC do B), que é apoiado pelo atual prefeito Eric, e Adão Nunes (PSL). A campanha de Rigo tem o apoio de seu irmão e empresário Pedro Alberto Teles de Souza, que foi secretário de Finanças na prefeitura durante um dos mandatos de “Nenzim”. Seu nome frequentou o noticiário do Maranhão por outro crime com grande repercussão em Barra do Corda, o assassinato do trabalhador rural sem terra Miguel Pereira Araújo, o “Miguelzinho”, em 24 de abril de 1998. De acordo com a denúncia do MP, o sem-terra foi assassinado porque teria ocupado uma propriedade da família de Pedro. O empresário teria encomendado o crime.

Pedro negou qualquer envolvimento no homicídio e seus advogados defenderam a tese da negativa da autoria. Pedro foi pronunciado em 5 de março de 2013 pelo Tribunal do Júri de São Luís – o caso foi desaforado de Barra do Corda – ao lado de Moisés Alexandre Pereira e Raimundo Pereira de Oliveira, acusados de executar o crime, por “homicídio qualificado por motivo torpe e uso de dissimulação”. Por maioria de votos, os jurados “reconheceram a materialidade, a autoria e as duas circunstâncias qualificadoras”.

Após a decisão do conselho de sentença, o juiz José Ribamar Goulart Heluy Júnior condenou Pedro a 21 anos de reclusão. O juiz decidiu que, apesar de o conselho de sentença ter reconhecido que os acusados praticaram um crime inscrito na lei dos crimes hediondos, os condenados teriam “o direito de aguardarem em liberdade eventual recurso” da sentença “em razão de serem réus primários, possuírem bons antecedentes, residência fixa” e portanto deveriam “ser considerados inocentes até o trânsito em julgado da sentença”.

Nos últimos sete anos, desde a condenação, Pedro obteve decisões contrárias e favoráveis à sua liberdade. Ele chegou a ser preso em 2019 mas foi libertado por um habeas corpus. O desfecho do caso ainda depende da análise, pela Justiça, de recursos ajuizados pelo réu.Júnior defendeu em juízo sua inocência e ‘inépcia da denúncia’No processo em que é acusado de matar o pai, Júnior ofereceu “resposta escrita à acusação, oportunidade em que arrolou testemunhas e juntou documentos”. No processo, o advogado defendeu “a inépcia da denúncia, por não descrever adequadamente todas as elementares e circunstâncias do crime, e a ausência de justa causa para a deflagração da denúncia; no mérito, sustentou a absolvição sumária do acusado, por ausência de prova de que tenha concorrido para a prática da infração penal”.

No seu termo de interrogatório, Júnior foi indagado pelo juiz o motivo pelo qual “ele não teve a curiosidade de saber” qual “agente externo” teria provocado a “pancada” narrada pelo réu quando estava com seu pai na camionete.Júnior respondeu: “Quando eu vi ele provocar o vômito e mudar as feições dele, eu fui cuidar dele. Não fiquei de cuidar de olhar para a lateral [para ver] quem foi. Foi o tempo que saí no carro para pedir a ajuda”. Ele disse ainda que não ouviu nenhum barulho de veículos passando pelo local e que os vidros do carro estavam fechados, “só com quatro dedos” de espaço.

O UOL manteve contato telefônico com Júnior nesta quinta-feira (15). Ele afirmou que não estava ouvindo direito a ligação, que em seguida caiu. A partir daí não atendeu mais às chamadas por telefone na quinta-feira e na sexta-feira nem respondeu à mensagem por aplicativo de telefone celular.

Quando deixou a cadeia, em outubro de 2019, Júnior divulgou uma nota sobre as acusações na qual voltou a dizer que não matou seu pai.O programa de governo de Júnior incluído no ato do registro da candidatura à prefeitura de Barra do Corda diz que ele irá administrar a cidade “de maneira competente e séria, com os olhos voltados principalmente para as necessidades básicas do município e seus munícipes”.

“Irei gerar empregos direto e indireto por meio da prefeitura municipal de Barra do Corda, pois primeiramente temos que fortalecer e cuidar primeiramente da nossa casa para podermos em seguida, fortalecer o comércio e mercado interno.”Localizado pelo UOL, Pedro Sousa disse que não gostaria de falar sobre o assassinato de seu pai, assunto que “dá raiva”, segundo ele. Ele desligou o telefone. Em nova ligação, foi indagado sobre o processo pelo qual foi condenado pelo assassinato do sem-terra “Miguelzinho”. Pedro também se recusou a comentar. “Não sou acusado de porra nenhuma, vai te lascar”, disse à coluna, novamente desligando o aparelho.

Procurado, o deputado estadual Rigo não foi localizado. Foi enviada uma mensagem ao seu telefone, mas não houve retorno.

Fonte: UOL.

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